quarta-feira, janeiro 30, 2008

Enquete inquietante

MUITO BEM, MENINAS e meninos! A tonitruante terceira enquete do Labirinto encerra seu período de concorridíssimas votações e é chegada, portanto, a epifânica hora do post-mortem (!) da dita-cuja.

De maneira um tanto bizarra, houve quem (e juro que não fui eu!) votasse em todas as opções oferecidas -- o que, de certo modo, contraria o princípio fundador das votações, qual seja, o de buscar, pelo ordálio da opinião pública, um vencedor, seja lá de quê. Pois bem, mesmo tal resultado estranho não nos furta de encontrar, pela graça de outros dois votos, os campeões de audiência nas imagens do mundo Antigo, que são...

[* ao fundo, tambores rufam, corvídeos crocitam e locustas fazem cri-cri *]

A neo-gênese promovida por Deucalião e Pirra: como bem sabem nossos doutos leitores, o imaginário helenístico teve também, como o mais célebre confrade judaico-cristão, seu momento de hecatombe universal diluviana. Naquela versão, porém, salvaram-se dois seres humanos -- Deucalião e Pirra, justamente (quiçá julgasse Zeus que os nomes já fossem punição bastante, ora divago!), os quais, para repovoarem o mundo e fugirem da solidão reinante na Terra d'antanho, recorreram ao curioso expediente de lançar pedrinhas para trás, por sobre os ombros. Ora, de cada pedra lançada por Deucalião nasceu um novo homem; e daquelas alijadas por Pirra, nova mulé. Ponto para eles!

A amoreira de Píramo e Tisbe: como deixam de saber muitos adolescentes ego-centrípetos, o casalzinho mais malfadado do cânone ocidental, Montéquios e Capuletos, tiveram um insigne predecessor na figura de Píramo e Tisbe (que figuram no Sonho de uma Noite de Verão, do Guilherme Treme-Lança, chegado ao assunto pelo visto). Desnecessário portanto dizer que os infelizes apaixonados logravam encontrar-se, abrigados do olhar cioso das respectivas famílias, ao pé de uma amoreira que, sabe-se lá porquê, dava então frutos brancos. Certo dia aziago, Tisbe esperava seu amado Píramo quando, qual Tião Gavião das priscas eras, defronta-se-lhe um temível leão esfaimado! A jovem, lesta e expedita, logra escapar aos colmilhos da sanguissedenta besta-fera; porém, na desabalada carreira, deixa cair seu manto, que é prontamente estraçalhado pelo bichano (pelo visto, acérrimo crítico de moda). Não tardarão certamente nossos leitores em advinhar da história o lúgubre desfecho: Píramo chega e, vendo o manto retalhado e manchado pelo pó, nada de Tisbe à vista, desespera-se e acaba por se matar com a própria espada. Corte brusco e entra Tisbe, em plano americano, que empalidece diante do cadáver de Píramo e, ça va sans dire, mata-se também. Desde então, a amoreira, única testemunha do desventurado desenlace, dá frutos cor-de-sangue...

Eis então, emparelhados no pódio, o renascimento da Humanidade e o triste fim do amor que o bicho quase comeu!

E, como as demais opções não deixaram de ficar também com seus votos, examinemos suas credenciais ao almejado posto de liderança:

A ferida de Filoctetes: enquanto os exércitos de toda a Hélade se levantavam para lavar com sangue a desonra de Menelau, o bravo Filoctetes teve a má sorte de passar ao largo de uma serpente da pá virada, que prontamente mordeu-lhe as carnes e infligiu uma dolorosa ferida. Passa o tempo e a ferida, purulenta, passa a cheirar tão mal que os companheiros de viagem não se fazem de rogados: largam o infeliz na ilha de Lemnos, para que se vire sozinho. Como mais tarde um oráculo tivesse profetizado que a guerra dos dez anos só seria vencida com as frechas de Filoctetes (aquelas mesmas que Herácles portava, embebidas no sangue da Hidra de Lerna, como viram aqui nossos fieis leitores), os heróis da Ilíada não tiveram outro recurso senão voltar atrás e pedir ao empestado que lhes cedesse os dardos salvadores. Curioso saber como, no interregno, não morrera Filoctetes de septicemia, choque anafilático ou whatnot...

A patada do Hipocrene: let's cut to the chase -- um belo dia, Pégaso, o cavalo alado nascido do sangue da Medusa, deu uma baita patada que fendeu um rochedo, donde passou a minar uma fonte, doravante batizada Hipocrene ("fonte do cavalo", get it?), a qual, segundo rezava a lenda, fazia nascer a inspiração poética a quem dela bebericasse.

O castigo de Idomeneu: essa os mozartianos conhecem! Idomeneu foi um destemperado rei de Creta que, vendo a própria vida em risco quando a nau em que viajava foi colhida por alentadas tormentas em mar aberto, teve a brilhante idéia de prometer aos deuses que, se salvo, sacrificaria em holocausto o primeiro infeliz que lhe passasse diante dos antolhos (que fdp!). Bom, como todos sabem, os gregos curtiam uma historinha de hubris, que se traduz, em bom português, como life's a bitch and then you die... naturalmente, a primeira pessoa que Idomeneu viu foi seu próprio filho, de modo que o féladamãe não teve recurso senão cumprir o prometido.

A prole de Latona: também straigh to the point. A ninfa Latona foi mais uma das centenas que Zeus engravidou e deixou ao zeus-dará. Não bastasse isso, a ninfa ainda teve de abrigar-se da fúria da patroa de Zeus, Juno, e dar à luz na distante ilha de Ortígia. Bom, a tal prole foi Apolo, o mauricinho poeta do Parnaso, e Diana, a Keith Mahoney (v. este nome) da mitologia grega.

O barbeiro de Midas: além de ser aquele que transformava tudo o que tocasse em oiro, o rei Midas também portava um belo par de orelhas de burro (bem escondidinhas, para não pegar mal com a galera), resultantes de um bad move que foi ter zangado Apolo (o descoladinho plínio que já mencionamos anteriormente). Apesar de o rei esconder de todos seu pequeno defeito físico, não houve jeito de ocultá-lo de seu barbeiro. O barbeiro, doudo que estava para contar a notícia a alguém (e sem poder, provavelmente para garantir a própria vida), cavou um buraco e berrou dentro "o rei Midas tem orelhas de burro!", cobrindo depois tudo com terra. Naquela terra nasceram juncos que, sempre que o vento os baloiçava, soltavam um som estranhamente similar a"o rei Midas tem orelhas de burro!"

O bestialismo de Leda: mais uma do Zeus! Para seduzir a pobre Leda e afogar o ganso, Zeus metamorfoseou-se em cisne (!). Enough said...

O martírio de Mársias: essa é boa para ilustrar mais uma das safadezas daquele mauricinho, o Apolo! Vivia ele, cercado por seu séquito de musas bajuladoras, as Musas (Clio, Euterpe, Melpômene, Terpsícore, Polímnia, Érato, Urânia, Tália e Calíope, para quem não sabia), no topo do Parnaso, só tocando lira, compondo poesias e ouvindo os gritinhos excitados de suas groupies. Um belo dia, o sátiro Mársias (que além de sátiro era burro), exímio tocador de flauta, teve a brilhante idéia de desafiar o plínio, digo, Apolo a um desafio de música, sendo que as Musas (quá! quá! quá!) julgariam o vencedor. É claaaro que Apolo, com sua lira, venceu e, como punição, amarrou Mársias de cabeça para baixo numa árvore e o esfolou vivo. Burro! Aprendeu, sua besta! A Mársias (e não às orelhas de Midas) dedico a singela iluminura que adorna o caput deste post...

É isso aí, minha gente! Até a próxima, com mais uma emocionante enquete do Labirinto!

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Magister dixit

E DEU BORGES no blógue do Pierre Assouline hoje. Interessantíssimo artigo sobre a gênese borgiana da Internet, dos blógues e (Zeus nos livre!) do YouTube! Ademais, as inconseqüências das "atualizações" do mestre portenho. Em suma, vá lá ler!

Neste comecinho de janeiro, Borges imiscuiu-se também no blógue do William Gibson -- fiat link! O artigo do Assouline menciona, aliás, a interpolação de um prefácio-conto do Gibson na nova edição norte-americana de "Labyrinths: Selected Stories & Other Writings".

Labirintinamente falando, o mundo dá voltas e meus interesses acabam, cada vez mais, orbitando uns aos outros...

terça-feira, janeiro 15, 2008

O povo quer saber!

SEGUNDA ENQUETE DE 2008 encerrada, sobre o metro preferido para a poesia elegíaca, passemos ao cômputo dos votos! Antes, recordemos que as opções foram: a) dodecassílabo alexandrino; b) redondilha menor; c) sesquipedálico; e d) redondilha maior. Pois bem, dentre um vasto e representativo universo de 1 (um) votante, 1 (um) voto foi para a opção "d" (redondilha maior"), posteriormente identificada como predileção do Cid, manifesta após incidente juvenil, sobre o qual calou o votante, mas que o fez passar de uma redondilha menor para aquela maior. Nesse sentido, aplicando os princípios inquebrantáveis das ciências pitagóricas, temos que, para um universo onde o valor 1 (um) corresponde ao conceito de totalidade (ao qual atribuiremos, ao arbítrio, o valor 100, perfazendo a equação 1=100), um voto corresponde a 100% do universo de votos (se 1=100, então para todo conjunto composto por 1, corresponde o valor 100, quod erat demonstrandum, etc).

É isso aí, minha gente! O povo está com a redondilha maior e não abre! Que douta trouvaille! Lembra-me das imorredoiras palavras do grande Oswald:

Epitáfio

Eu sou redondo, redondo
Redondo, redondo eu sei
Eu sou uma redond’ilha
Das mulheres que beijei

Por falecer do oh! amor
Das mulheres da minh’ilha
Minha caveira rirá ah! ah! ah!
Pensando na redondilha

(Oswald de Andrade, Poesias reunidas).


Não percam, logo mais: nova enquete no Labirinto!

sexta-feira, janeiro 11, 2008

"Homo barrocus"

UMA DAS GRANDES satisfações da vida é, sem dúvida, ler Umberto Eco. Recentemente, como já escrevi no post do ano findo, comecei a releitura dos absurdamente geniais romances do Grande Semiólogo, o que me trouxe, há pouco, à Ilha do Dia Anterior (L'Isola del Giorno Prima). Ah, que coisa ímpar é esse livro! É deveras fascinante ver como a prosa de Eco se desenrola numa multiplicidade de planos, e como todos eles ilustram e cativam o leitor. Não meramente o enredo é arrebatador, passado em três tempos distintos (o do narrador aparentemente coevo; o do protagonista, digamos, "presente", preso numa nau abandonada; e o do bildungsroman do dito protagonista, o fidalgo Roberto de la Grieve), mas há também uma multiplicidade de topos narrativos absolutamente ricos: como bem coloca o tradutor, a narrativa de de la Grieve é "escrita em barroco"! E tomo lá cultismos, jogos de oposição, luz e sombra, conceptismos e toda a orgia da escritura do século XVII. Isso quando não nos deparamos com o vernáculo e ortografia "quinhentistas" do clérigo astrônomo!

A pergunta que nunca cala, ao ler Eco, só pode ser: "como é que ele consegue????"

terça-feira, janeiro 08, 2008

Real gabinete d'enquetes

FINDA A PRIMEIRA enquete desse novo Labirinto, passemos aos resultados: dois incautos deixaram-se seduzir pelo partenopéico apelo da enquete sobre vidas passadas e tascaram lá "Sargão, o Aquemênida" (50%) e "Lúculo, o bom de garfo" (50%). O Sargão histórico mais famoso, conquanto não fosse aquemênida, mas, antes, acadiano, deve rejubilar-se lá no sheol pelo recém-achado ocupante da alma homônima, seja lá quem for. Lúculo, sobre quem nossos doutos leitores (quá, quá, quá!) já leram cá no Labirinto, deve, entre uma e outra ostra das costas da Bretanha, ter erguido um nauseado brinde a seu dileto representante na Terra.

Cá entre nós, contudo, o que sobra desse episódio como fator mais interessante é saber who on Earth are those two who answered! Vamos lá, Sargão e Lúculo, revelem-se! Postem cá vossos comentários e expliquem porque se creem habitados por tão insignes almas d'outrora!

E, sem mais delongas, aproveitem para votar na nova enquete!