sexta-feira, dezembro 16, 2005

Solilóquio no areópago...

CONFIRMANDO O RECONHECIMENTO tácito de que o que vai nestas linhas é apenas um "pensar com os próprios botões" na forma escrita, ocasionalmente consultado pela gentileza dos amigos (ou por desavisados em que o Google prega a peça de trazer até aqui), descubro que este blog, de fato, não vale nada -- como há de constatar também quer passar os olhos no banner ao lado, abaixo dos links.

Mas, por Tutatis, como minha auto-estima não depende disso (pfui!)...

terça-feira, dezembro 06, 2005

Entre aspas - VI

"It has been my experience that folks with no vices have very few virtues."
— Abraham Lincoln (1809-1865)

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Do bom e velho Francis!

ESSA VEM LÁ do fundo do baú, publicada n'O Estado de S. Paulo em 9 de junho de 1991:

"No Brasil me contaram que Antônio Houaiss disse em televisão que vai fazer um dicionário com 'Nós faz', 'Nós quer' e similares, porque é assim que o povo fala. Imaginem só, isso de um filólogo que, no dia-a-dia, em vez de discordo diz discrepo, em vez de familiarizado, diz tenho privância, e em vez de em baixo, sotoposto.Não é só demagogia. É autoritarismo mascarado de populismo. Não é sequer o velho marxismo que se propunha conscientizar o operariado, ilustrá-lo. Sintaxe e gramática certas são questões morais, como diria Eliot."

Waaal...

quinta-feira, novembro 24, 2005

Waugh

UM DOS GRANDES PRAZERES da vida é poder se deliciar com as obras de nossos heróis literários (pelo menos para mim, está lá no alto da lista de coisas que fazem bem a mim mesmo)! Assim, tenho passado grandes momentos com os contos completos do Evelyn Waugh (1903-1966) em belíssima edição da Everyman's Library/Knopf. Muitas vezes encontrei em Waugh a expressão de idiossincrasias e opiniões minhas (algo já deve ter transpirado neste blog, mas muito mais ainda está por vir). Quando acabar, prometo postar longa e encomiástica resenha!!!

terça-feira, novembro 01, 2005

Entre aspas - V

"Metaphysics is a refuge for men who have a strong desire to appear learned and profound but have nothing worth hearing to say. Their speculations have helped mankind hardly more than those of the astrologers. What we regard as good in metaphysics is really psychology: the rest is only blah. Ordinarily, it does not even produce good phrases, but is dull and witless. The accumulated body of philosophical speculation is hopelessly self-contradictory. It is not a system at all, but simply a quarreling congeries of systems. The thing that makes philosophers respected is not actually their profundity, but simply their obscurity. They translate vague and dubious ideas into high-sounding words, and their dupes assume, as they assume themselves, that the resulting obfuscation is a contribution to knowledge."
— H. L. Mencken (1880-1956)

segunda-feira, outubro 31, 2005

Entre aspas - IV

"There is no such thing as public opinion. There is only published opinion."
— Sir Winston Churchill (1874-1965)

quinta-feira, outubro 27, 2005

Entre aspas - III

"A newspaper is a device unable to discriminate between a bicycle accident and the collapse of civilization."
— George Bernard Shaw (1856-1950)

terça-feira, outubro 25, 2005

From Russia with Love

QUIS O DESTINO, e as peculiaridades da minha carreira, que eu passasse uns dias em Moscou. Encontrei uma imponente e surpreendentemente cálida (em princípios do mês de outubro) capital do extinto império soviético, da qual extraio agora um retrato superficial (posto que breve foi o contato e ínfimo o percurso espacial e temporal por aquela grande cidade) para esta página.

O breve outono moscovita foi, com efeito, agradável surpresa emoldurada por céus azuis, ar extremamente seco, aves parecidas com magpies crocitando, e calçadas acarpetadas por folhas caídas, de formato semelhante ao bordo canadense, de um amarelo-cádmio, que se desfaziam num pó pelo contínuo pisar dos transeuntes. Outro pó cobre boa parte da cidade (pelo que me contam), esse advindo dos incontáveis e onipresentes canteiros de obras, no qual a cidade expõe suas entranhas e um afã frenético de mudança e renovação. Vastas áreas de Moscou parecem estar absortas, 24 horas por dia, em reconstruir-se, obliterar-se e reinventar-se.

E, aparentemente pouco constrangidos pelos tortuosos caminhos abertos por entre as construções, os moradores de Moscou andam, a passos rápidos e ensimesmados, pelos horários mais diversos. Pois, diferentemente do hábito anglo-saxão de completo recolhimento noturno (lembro-me, com assombro e decepção, da descoberta de que o comércio londrino, em sua maior parte, fecha tão logo o Big Ben marque as 18 horas), Moscou é, ao menos nessa época do ano, uma cidade noctâmbula, onde encontrei livrarias abertas às 23 horas e pessoas nas ruas às 3 da manhã. Afora suas peculiaridades de biorritmo, notei, com interesse, a própria aparência das pessoas. Alguém me disse que, em poucos lugares, os dois gêneros humanos parecem tanto demarcar espécies distintas como na Rússia de hoje. De fato, homens e mulheres dão a impressão de seres com evoluções totalmente diversas: as primeiras, quase que invariavelmente belas, de compleição ágil e ar ativo; os segundos, com ar de lavradores, antigos mujiques, lembram criaturas talhadas grosseiramente em blocos de madeira ou pedra bruta.

No mais, ambos dão mostras de aparente afeição ao álcool. Numa animada Tverskaya, em noite de sexta-feira, adolescentes dos dois sexos bebiam muito, sendo freqüente a visão de pessoas com garrafas que, na manhã seguinte, se espalhavam pelas calçadas, passarelas e, principalmente, pelos corredores de madeira que abrem caminho pelas muitas áreas de obras e construções.

Mas o que estimo como a mais interessante memória dessa passagem pela Rússia foi passar pela Praça Vermelha numa manhã de domingo. O local em si é realmente encantador, amplo, limpo e decorado com aqueles edifícios de cartão postal que parecem irreais em suas cores fortes e desenho de contos de fadas -- a Catedral de São Basílio e o Museu Histórico, com sua fachada de divertissement "tchaikovskyano", as muralhas e edifícios do Kremlin --, mas o que quero lembrar é a visão de casais, famílias, crianças, soldados a passeio, turistas de ex-repúblicas remotas e nações do coração da Ásia, caminhando despreocupados naquela cristalina manhã de domingo. E, ali, naquele instante, lembrei-me dos anos da Guerra Fria, quando aquela cidade e aquela gente representavam, para nós, ocidentais, o elusivo outro, o inimigo, a antítese. Pensei naquele instante no horror que seria a concretização da então palpável ameaça da aniquilação total. Pensei no dantesco espetáculo das bombas e cogumelos termonucleares varrendo as amplas avenidas, o estranhamento das torres em estilo gótico-stalinista, as pessoas que viviam, amavam, sofriam e sorriam naquele coração da Cortina de Ferro.

sexta-feira, setembro 09, 2005

A memória dos mélios

EM SUA HISTÓRIA da Guerra do Peloponeso, Tucídides narra, com a autoridade de testemunha e partícipe, o primeiro grande conflito bipolar da civilização ocidental. As potências dominantes, Atenas e Esparta, não apenas faziam colidir seus próprios exércitos, mas também articulavam um impiedoso tabuleiro de alianças e Estados-satélites ao longo do embate fratricida. Gerações de historiadores e cientistas políticos se debruçaram sobre as malhas desse conflito, buscando enxergar nele a gênese de relações tão complexas quanto as que opuseram as superpotências nucleares no meio século da Guerra Fria. Acredito, porém, que nenhum episódio daquela longa guerra tenha sido tão candente quanto o trágico destino dos ilhéus da pequena Mélios. Em termos simples, Atenas enviou embaixada a Mélios, conclamando os cidadãos da ilhota a cerrar fileiras com os exércitos da Ática contra os valorosos inimigos da Lacedemônia. Mélios, porém, já havia escolhido o lado de Esparta e, fiando-se na proteção de seus aliados, tradicional potência militar especializada nas operações em terra, ignorou o comando de Atenas, emergente poder marítimo.

A escolha dos mélios, expressa na apaixonada defesa que fizeram de seu direito a permanecer isolados daquela luta de duas grandes Cidades-Estados, ainda fascina os estudiosos. Não os demoveu sequer o arrazoado ateniense de que, naquela época e lugar, a orgulhosa cidade não poderia se dar ao luxo de permitir a existência de Estados neutros. Como punição por sua escolha, os mélios foram, todos, passados a fio de espada.

Sempre que penso nesse episódio, imagino a singularidade de um dia que poderia ter sido como qualquer outro nas ensolaradas margens do Mediterrâneo oriental, não fosse o acaso de que, naquele dia – talvez plácido e belo, sob o escorchante sol e diante do azul do mar – as pedras das calçadas e os rochedos da pequena Mélios tingiram-se de profundo escarlate. Os gritos e lamentos ecoaram por um tempo entre as pedras e, depois, fez-se profundo silêncio, quebrado apenas pelo som das aves e o suave rumorejar das ondas, aquelas mesmas ondas que vinham quebrar na praia desde os tempos imemoriais.

sexta-feira, julho 29, 2005

Histórias de viajantes

A LEITURA REFERIDA no post precedente me deu o alimento espiritual certo para refletir sobre um de meus mais recorrentes temas-fetiche. Sou uma pessoa tomada por eles, quase todos recorrentes como delírios borgianos que, de tempos em tempos, emergem dos recônditos labirintinos da memória e da escrita.

Mas desviamo-nos do tema. Assim como meu grande amigo autor do blog "Crônicas do Explorador deitado na rede" (ver links), tenho paixão pelo topos das grandes viagens e aventuras de exploração. Porém, ao contrário dele, que é fascinado pelas navegações e pela epopéia polar, o que me atrai são as áridas regiões do globo (aqui, assalta-me a memória o célebre haiku de Bashô: "cansado de andar, vago em sonho pelas áridas regiões."), os desertos quentes e frios e todas aqueles lugares onde apenas "ingleses e cachorros loucos saem ao sol do meio-dia" (aliás, creio que é Ondaatje que se refere ao fato de que os ingleses amam o deserto porque ele reflete de forma precisa uma parte do cérebro daquele povo). De qualquer maneira, os relatos e descrições das grandes viagens ao coração do Saara, Gobi, Thar e ao interior australiano exercem peculiar atração sobre mim, o que é motivo freqüente para reler e rever filmes e livros sobre o tema. Tal é, portanto, o assunto deste post: uma reflexão sobre o deserto e o universo dos exploradores no cinema.

Mountains of the Moon [EUA, 1990. Direção de Bob Rafelson]. Embora não trate propriamente de viagens ao deserto, este é um dos melhores filmes já feitos sobre explorações épicas. O tema são as tentativas feitas pelo legendário Capitão Richard Francis Burton (Patrick Bergin) e John Hanning Speke (Iain Glen) de encontrar a nascente do Rio Nilo. O aspecto mais intrigante, porém, é o fato de que, ao contrário do que ocorreria em um dos grandes filmes de John Huston, por exemplo, a natureza indômita não emerge aqui como o principal personagem do filme. Claro que, em qualquer outra situação, isso seria um grande defeito. Mas Rafelson consegue transformar essa idiossincrasia na grande força do filme, deixando o palco principal para a dificuldade das relações humanas. É assim que temos a oportunidade de ver personalidades multidimensionais nos personagens de Burton e Speke, sentindo o travo amargo da amizade de dois grandes homens ser envenenada pela vaidade e pela cupidez manipuladora de pessoas com Oliphant (Richard E. Grant), ao mesmo tempo podemos admirar o caráter extraordinário da grande personagem "secundária" que é a Sra. Isabel Burton, née Arundell (Fiona Shaw), dona da melhor frase do filme: "se eu fosse um homem, seria o Capitão Richard Burton". Mesmo nos mais importantes momentos das expedições africanas, o filme se prende ao relacionamento de Burton e Speke e outros dramas humanos, como a escravização de vencidos por outras tribos negras e a tirania dos régulos locais, desprezando os rigores da paisagem e a determinação sobre-humana de vencer o desconhecido. Como se vê, Bob Rafelson fez uma escolha insólita acerca do ponto de vista narrativo, mas acertou em cheio ao fazer um dos grandes filmes sobre o tema, ainda que o tempo tenha sido injusto com esse filme, tornando-o pouco conhecido do grande público.

The Man Who Would be King [Reino Unido/EUA, 1975. Direção de John Huston]. Costumo me referir a essa obra como "o melhor filme de todos os tempos"! A epopéia colonial particular de Daniel Dravot (Sean Connery) e Peachy Carnehan (Michael Caine), dois vagabundos que se valem do único conhecimento que têm – a experiência como militares do exército britânico – para conquistar alguma região selvagem da Terra e lá se estabelecerem como reis. Aspirando tal nobre intento, partem os dois para a montanhosa terra do Cafiristão, onde uma curiosa mistura de lendas referentes à vinda do herdeiro de Alexandre, o Grande, e vestígios de um passado maçônico conspiram para tornar realidade a ambiciosa meta. Porém, como dizem alhures, é bom ter cuidado com o que se deseja, pois o desejo pode vir a tornar-se realidade. E não tarda para que o plano dos dois aventureiros vitorianos comece a romper nas costuras... Bem, falar mais é tirar parte do prazer que é assistir a esse filme extraordinário, baseado em obra de Rudyard Kipling (interpretado no filme por Christopher Plummer). Novamente, aqui não há desertos, mas a aventura por terrenos inóspitos e o "white man’s burden" da empresa colonial britânica estão lá com força total.

Burke & Wills [Austrália, 1985. Direção de Graeme Clifford]. Uma pequena e pouco conhecida jóia, essa recriação da trágica viagem dos exploradores Robert O’Hara Burke (Jack Thompson) e William J. Wills (Nigel Havers) pelos desertos australianos no início da década de 1860. Em virtude de vários rios australianos correrem para o então desconhecido interior do país, chegou-se a cogitar, na época, a existência de um vasto mar interior – o que facilitaria a expansão dos contingentes humanos, restritos à faixa litorânea do sudeste, por todo o vasto país-continente. Bem, como hoje se sabe, não há qualquer mar interior ou grande lago na Austrália, e o destino de muitos rios é evaporar à medida que se aproximam do tórrido interior arenoso. Eis que a expedição de Burke e Wills, lançada com o intento de percorrer a Austrália de sul a norte, se vê em trágicos problemas, uma vez que os suprimentos se esgotam e a morte é certa para todos os seus integrantes, à exceção do jovem John King (Matthew Fargher), que sobrevive com a ajuda dos aborígenes até ser resgatado por um grupo de buscas e dar ao mundo conhecimento dos últimos dias da malfadada aventura. O filme tem cenas antológicas, como o momento em que um dos exploradores tenta lançar apontamentos em seu diário e verifica que a mina de seu lápis derrete no abrasador calor do deserto, ou o profético passeio pelo labirinto-jardim na verdejante Albion.

The English Patient [EUA, 1996. Direção de Anthony Minghella, baseado no romance de Michael Ondaatje]. Esse dá pretexto para falar do filme e do livro. A obra do "cingalês-canadense" Michael Ondaatje é um primor de literatura, com palavras cortantes e ásperas como seixos, parcimoniosa, deixando muito espaço para a imaginação do leitor explorar os fragmentos de história, sonho, memória e delírios induzidos por morfina que emergem da paisagem árida como os platôs rochosos do deserto líbio. Sem dúvida, um dos melhores romances de língua inglesa dos últimos quinze anos. O filme de Minghella captura muito bem a essência da história e seus melhores momentos (para melhor efeito dramático, algumas cenas e falas são atribuídos a personagens diferentes daqueles que as proferem no livro). É muito interessante, porém, saber do contraste entre o personagem-título, o conde húngaro Ladislau Almásy e a figura histórica de mesmo nome. O Almásy de Ondaatje-Minghella, interpretado por Ralph Fiennes, é um explorador taciturno, tomado pela súbita obsessão por Katharine Clifton (Kristin Scott Thomas), aristocrática esposa de um colega explorador, Geoffrey Clifton (Colin Firth), cujo trágico desfecho faz de Almásy um colaborador do Afrika Korps nazista e, finalmente, a figura mutilada espiritual e fisicamente que expira seus últimos momentos num mosteiro em ruínas na Itália, sob os cuidados da enfermeira Hana (Juliette Binoche). O Almásy histórico, notório homossexual, aproximou-se dos exércitos italiano e alemão na África do Norte como forma de continuar suas pesquisas no deserto e a obsessiva busca pelo oásis perdido de Zerzura. Ao contrário de sua encarnação ficcional, Almásy não morreu devido a queimaduras desfigurantes nos últimos dias de 1944, mas viveu até 1951, tendo brevemente ocupado o cargo de diretor do Egyptian Desert Institute, posição que almejava desde a década de 1930. Permito-me, porém, em atenção ao tema deste post, não divagar sobre a imensa riqueza de detalhes dessa obra, tais como os detalhes da vida e do arriscado trabalho levado à cabo pelos sapadores na Itália de 1944, infestada de bombas não explodidas e armadilhas preparadas pelo exército nazista em retirada, ou o debate final sobre o racismo ocidental implícito na decisão de lançar as bombas atômicas contra os japoneses, povo "não-branco". Ficam aqui as recomendações mais veementes para a leitura desse livro excepcional e a apreciação do filme, igualmente notável.

Mais sobre este tema em breve...

segunda-feira, julho 25, 2005

Fora da estante - II

O QUE LEIO no momento:

The Lost Oasis: The Desert War and the Hunt for Zerzura [Saul Kelly, Westview, 2002. 302 p.]. Na esteira da formidável novela de Michael Ondaatje - The English Patient (1992) - e do filme homônimo, o Professor Kelly, do King’s College de Londres, especialista no embate travado pelas grandes potências européias nas areias do Norte da África, preparou esse livro notável, traçando um minucioso panorama das viagens exploratórias pelo Deserto da Líbia até às vésperas da Segunda Guerra Mundial e, daí em diante, detalhando como o conhecimento acumulado pelos viajantes e militares serviu para informar as manobras da grande conflagração do século XX. A terra incognita que, desde Heródoto, capturava a imaginação e a cobiça de impérios, fora gradualmente percorrida por figuras como o britânico Ralph Bagnold e o conde húngaro Ladislaus Almásy (este, base para o personagem-título da novela de Ondaatje), testemunhando a alternância da paciente labuta dos geógrafos e arqueólogos com os trepidantes embates dos espiões de Rommel e os "escorpiões" do Long Range Desert Group. Em paralelo, o livro trata da busca pelo "oásis perdido" de Zerzura e pelos possíveis restos do exército desaparecido dos persas de Cambises, jornadas de tons épicos dignas de um Quatermain ou Indiana Jones. Ótima leitura, tratando com erudição e detalhe temas tão intrigantes como o inóspito e desconhecido deserto líbio das primeiras décadas do século passado!

"Press play, begin..."

O QUE OUÇO no momento:

Suites a violoncello solo senza basso [J. S. Bach, Ambroisie, dois CDs. Intérprete: Ophélie Gaillard]. Agradeço a meus amigos e mentores melômanos Daniel e Rodrigo a oportunidade de ouvir essa versão magistral de uma de minhas obras-fetiche: a integral das suítes para violoncelo solo de Bach. Ophélie Gaillard faz uma leitura ravissante, plena de nuanças e riqueza de texturas, dessas obras já tão populares. A gravação, feita em 2000-01, foi acolhida pela crítica com entusiasmo plenamente justificável.

segunda-feira, julho 04, 2005

O raio da dor

UM IMPORTANTÍSSIMO CAMPO para as pesquisas militares contemporâneas é o desenvolvimento dos chamados armamentos não-letais - isto é, equipamentos capazes de incapacitar a ação do inimigo, ainda que momentaneamente, sem causar morte ou ferimentos irreparáveis. Nessa linha, o site Defensetech.org publica hoje informações sobre um novo invento, aparentemente muito promissor, no qual o Pentágono vem trabalhando há algum tempo. Trata-se do ADS ("Active Denial System"), nome inócuo para o que pode ser descrito como um "raio da dor". Segundo os inventores, o ADS emite ondas na freqüência de 95GHz, capazes de penetrar 0,3 mm sob a pele, atingindo regiões de grande concentração de ramificações nervosas. O resultado, segundo as pesquisas, é uma intensa sensação de queimadura, como se a região atingida estivesse em contato com a chapa quente de um forno. O site informa que sistemas de ADS serão colocados como proteção em instalações nucleares norte-americanas até 2008. Já se discutem amplamente as implicações estratégicas, políticas, humanitárias e éticas da nova arma.

Para mais informações: DefenseTech

Entre aspas - II

"Hey, life's a bitch."
— Major Motoko Kusanagi

quarta-feira, junho 15, 2005

Mais Nothomb

"[...]
Si Dieu mangeait, il mangerait du sucre. Les sacrifices humains ou animaux m'ont toujours paru autant d'aberrations: quel gaspillage de sang pour un être qui aurait été si heureux d'une hécatombe de bonbons!
Il faudrait raffiner. Au sein des sucreries, il en est de plus ou moins métaphysiques. De longues recherches m'ont menée à ce constat: l'aliment théologal, c'est le chocolat.
Je pourrais multiplier les preuves scientifiques, à commencer par la théobromine qu'il est seul à contenir et dont l'étymologie est criante. Mais j'aurais un peu l'impression d'insulter le chocolat. Sa divinité me semble précéder les apologétiques.
Ne suffit-il pas d'avoir en bouche du très bon chocolat non seulement pour croire en Dieu, mais aussi pour se sentir en sa présence? Dieu, ce n'est pas le chocolat, c'est la rencontre entre le chocolat et un palais capable de l'apprécier.
"
[Biographie de la faim. Paris: Albin Michel, 2004. p. 39-40]

Curioso que os dois excertos que selecionei - ao acaso, dentre os livros da autora que me são mais caros - versem sobre as virtudes epifânicas do chocolate!

terça-feira, junho 14, 2005

Entre aspas

"J'aimerais aller au paradis pour son climat et en enfer pour ses fréquentations."
— Cardeal de Bernis (1715-1794)

Furacão Nothomb

DESDE O INÍCIO DA DÉCADA de 90, a escritora belga Amélie Nothomb (nascida no Japão, de pai diplomata) brinda um público já cativo com uma novela por ano. Invariavelmente, obras-primas que chegam com o furor de tempestades tropicais, plenas de ironia e passagens que cauterizam a memória do leitor com indeléveis imagens de loucura e lucidez, alinhavadas em períodos curtos e cortantes. Acumulam-se no currículo da prolífica escritora ficções, como Hygiène de l’assassin (1992), Mercure (1998) e Robert des noms propres (2002), dentre outros, e uma pseudo-cripto-autobiografia absolutamente impagável, que já inclui os saborosos Métaphysique des tubes (2000), com suas reflexões de 0 a 3 anos de idade (!), Biographie de la faim (2004), cobrindo o período da infância à adolescência, e Stupeur et Tremblements (1999), no qual narra seu retorno ao Japão, em idade adulta, e sua descida aos infernos no mundo corporativo nipônico. Verdadeiramente, a escritura de Nothomb é frenética (conta-se que suas gavetas guardam já quase meia dúzia de novos livros – um baú de tesouros, portanto, a se fiar somente no número de exemplares vendidos na França), o que nada lhe tira em qualidade, originalidade, provocação e – por que não? – entretenimento.

Trecho: "Ce fut alors que je naquis, à l’âge de deux ans et demi, en février 1970, dans les montagnes du Kansai, au village de Shukugawa, sous les yeux de ma grand-mère paternelle, par la grâce du chocolat blanc." [Métaphysique des tubes. Paris: Le livre de poche, 2002. 160p.]

quinta-feira, junho 02, 2005

Fora da estante

O QUE LEIO no momento:

Ministério do Silêncio: A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (1927-2005) [Lucas Figueiredo, Record, 2005. 591p.]. O novo livro-reportagem do autor de Morcegos Negros traz um minucioso e por vezes apavorante relato da criação e das ações do serviço secreto brasileiro, com ênfase nos bastidores da gênese do SNI (Serviço Nacional de Informações) e na montagem do aparato repressivo lançado contra o "inimigo interno" pela ditadura militar, embora ainda cubra o interessante período da redemocratização com investigações sobre o até então insuspeito papel dos serviços de informação na Nova República. Interessante documento de um período recentíssimo da história brasileira, com chagas ainda abertas e casos (ainda) mal-contados. A linguagem do autor chega a espantar por seu coloquialismo, por vezes desnecessário, e, com freqüência, ele carrega nas tintas do maniqueísmo ao defender a modéstia e altruísmo das ações dos movimentos de esquerda diante da truculência e paranóia dos militares. Tais defeitos, porém, não deslustram o impacto da obra, outro importante acréscimo à historiografia do Brasil recente.

The Decline and Fall of the Roman Empire [Edward Gibbon, Britannica Great Books, 22ed., 1978, 2v. 910 e 855p., respectivamente]. Afinal, travo contato com esse monumento da historiografia e da evolução da língua e literatura inglesas. O gigantesco trabalho de compilação de dados e sistematização conduzido por Gibbon no século XVIII ainda não encontrou quem lhe disputasse a glória de texto definitivo sobre os quase quinze séculos que vão da ascensão de Augusto à queda de Constantinopla, embora sua gênese pré-materialista lhe tenha garantido as atuais ressalvas contra as conclusões moralistas do autor. De qualquer maneira, Decline and Fall é um Olimpo de erudição e linguagem raras vezes alcançado. Paro aqui, pois ser encomiástico com Gibbon é chover no molhado.

Ghost in the Shell 2: Man-Machine Interface [Shirow Masamune, Dark Horse Manga, 2005 (versão encadernada). 312p.]. A aguardada seqüência do seminal mangá de Shirow Masamune chega com feéricos efeitos gráficos, bastante adequados à saga tecnológica que se desenrola em março de 2032. Fanáticos pela obra anterior e pelo filme homônimo de Mamoru Oshii certamente irão lamentar a ausência de personagens importantes do primeiro volume (Togusa) e o pequeno papel reservado a outros (Batou, chefe Aramaki), embora ainda permaneça lá toda a mística de things to come. De minha parte, a ressalva fica pelo tom excessivamente aventuresco e "tecnofílico". Os diálogos são uma verdadeira cortina de fumaça, composta pelo simulacro de jargão tecnothriller, longe da profundidade filosófica dos dois filmes Ghost in the Shell. De qualquer modo, valem as belas imagens "cinéticas" para acompanhar o ritmo frenético das investigações da ciborgue Motoko Aramaki (a major Motoko Kusanagi, do volume um, após sua fusão com a inteligência artificial Projeto 2501 e, agora, fragmentada numa existência extra-corpórea na rede de comunicações do século XXI). O ponto mais interessante é a idéia de que Motoko -- uma inteligência híbrida, resultante de uma fusão de seres reais e artificiais -- pode "saltar" pelos continentes em múltiplos corpos cibernéticos, meras "cascas" para o espírito (?) tecnológico da agente, ferramentas de trabalho como os veículos e safehouses que ela possui pelo mundo a fora. Não se deixe enganar pela superficialidade dos exageros mamários de Shirow ou pelo blá-blá-blá cibernético. Ghost in the Shell 2 - Man-Machine Interface, com sua pictórica representação do que será "humano" no futuro próximo, tem mais conteúdo do que a leitura transversal pode revelar.

terça-feira, maio 24, 2005

Prolegomena

WELCOME, O FEARLESS wanderer, lost in these unchartered shores of the virtual sea! Come in, make thyself at home and leave not the hope as thou cross these doorsteps. Ease thy mind from the overwhelming labours and look for some meaning, some curious thought amidst the signs that now dance before thy weary eyes... Lo! Unstoppable Time does lay strata of many a quaint old and forgotten lore - or, as some say, it does bury the ever-elusive Truth under unfathomable layers of dust! Be it from delectable leisure that soon shall pass, be it from an unquenchable thirst for words and sophism, do read, merrily, these pages. Pray that, in the end, thou may wander forth with the delicate impression of such feeble, passing thoughts upon thy soul - but may thy spirit also carry the remembrance of such welcoming harbour as a sure destination in thy coming voyages...
BEM-VINDO, INTRÉPIDO VISITANTE, perdido nestas incógnitas plagas do oceano virtual! Entre, sinta-se à vontade, não deixe a esperança ao cruzar estes umbrais. Aquiete o espírito da sôfrega liça do dia e procure um fio de significado, um punhado de dúvida, um laivo de curiosidade nas letras e signos que ora se colocam diante de suas órbitas fatigadas... Observe, atento, como o inelutável passar do Tempo acrescenta estratos de muita sabedoria antiga e esquecida - ou, como querem outros, oblitera a elusiva Verdade sob o manto do pó! Seja pelo doce ócio efêmero que logo fenecerá, seja por inquebrantável sede das palavras e dos sofismas, ponha-se a ler, sem pressa. Que, ao final, reste a imponderável e tênue impressão dessas idéias frágeis, modestas, fugazes - mas que permaneça a lembrança de porto amigo, destino certo em futura odisséia...