quinta-feira, agosto 24, 2006

O Nick Hornby de todos nós

Acho bem legal as listas que o Pablo compila das suas paixões e ódios, lá no seu Pablog, qual Nick Hornby "next door". Resolvi começar as minhas:

Adoro:
Minha esposa e minha filha. Chocolate. Aliás, brigadeiro. Livros. Sonhar com livros. Livrarias. Pães, sem mais nada além da própria textura e sabor. Música barroca. Bach. Bryan Ferry. Julie London. Dias frios e chuvosos. Chá preto com leite. Inglaterra eduardiana. Evelyn Waugh. Autores ranzinzas. Paulo Francis. Filmes antigos. Meus filmes cult. Thomas Crown com o Pierce Brosnan e a René Russo. The Man who Would be King. Filmes do James Bond. Cary Grant e Grace Kelly. Paletó e gravata. Coisas bacanas, feitas com arte, mesmo que eu não possa comprá-las. Bom humor e gentileza juntos. Peter Mayle (confesso, já gostei mais do que hoje). Jorge Luis Borges. Não-ficção sobre espionagem. Sandman do Neil Gaiman. Coisas que misturam gêneros, erudição e cultura pop, folclore e história, mito e filosofia, como o Sandman do Neil Gaiman. Pizza de São Paulo. Coca-Cola normal. Bebel Gilberto. Tom Jobim. Rio de Janeiro, 1957. Qualquer coisa de 1957. Jaguar S-Type e XK 120. Kit Kat. Chocolate com menta. Histórias de exploradores. Desertos. UK. The English Patient, do Ondaatje. Frank Sinatra, fase Capitol. Canções do Cole Porter. Suplementos literários. Ler os blógues dos amigos. Andar de carro. Desenhos do Tex Avery. Tom e Jerry, Pica-pau e Pernalonga antigões.

Odeio:
Gente grossa. Blasé excessivo. Música caça-níqueis alegre e idiota. Axé "music". Ritmos baianos de verão, todos os que já vieram e os que ainda virão. Sertanejo e brega romântico dor de corno. Programas de auditório e de "artistas populares" (por que condenam o povo a só se divertir com porcaria descartável, sem inspiração e sem vergonha?). Livros de auto-ajuda e livros "da moda". Filmes idiotas. Comédias idiotas. Filmes de ação idiotas. Relativismo hipócrita. Calor demais. Velozes e Furiosos. Glamurização da bandidagem. Levar vantagem em tudo. "Sabe com quem você está falando?". Arrivismo. E o Vento Levou. Modernizações "calhordas" de desenhos como Tom e Jerry. Coisas "dumbed down". Missão Impossível 2. Armageddon. Filmes da dupla Bruckheimer/Bay. Ben Affleck. Egos inflados, cérebros atrofiados. Concretistas, tribalistas e coisas do tipo. Bolero de Ravel. Música "erudita" com vocação para picadeiro (Chapì, Rimsk-Korsakhov e essas coisas). Neonazismo e xenofobia. Jim Carrey fazendo caretas. Jogo de futebol na TV. Domingo à tarde e à noite. Avião atrasado. Multidões alegres e gritonas. Protestos "de esquerda" na Esplanada. Esse papo de que, no Brasil, todo mundo É índio, negro, mestiço, mulato, bacana, cordial, etc, etc. (além de NÃO ser verdade, viu gente?, ainda é preconceito disfarçado de coisa positiva). Funk carioca. Roupas das mulheres do funk carioca. Gírias do funk carioca que a TV quer "nacionalizar". Jornalistas rasos dando palpite sobre tudo. Gelatina com creme de leite. Britney Spears e rappers americanos que posam de bandidões. Gente que não responde a "bom dia".

Com certeza deve ter mais coisas para acrescentar nas duas listas, mas, por agora, basta.

terça-feira, agosto 22, 2006

Um diálogo ente blógues - III

OPA! LEITURA DESATENTA e equivocada! Cometi um pecado mortal!

Com efeito, bastante barrocas as imagens em cera. Confirmando a percepção de que este diálogo está me saindo um passeio pelos labirintos da memória, recordaram-me o querido Augusto dos Anjos e seu "a desarrumação dos intestinos assombra. Vêde-a!", verso lapidar do "Monólogo de uma Sombra".

Aliás, falando em assepsia barroca, li, no livro do André Senet, que item obrigatório às aulas de anatomia do período eram fatias de limão ou laranja, usadas para mascarar odores nauseabundos. Será que isso ainda existe nas academias?

E, de fato, "Restoration" comete um grande pecado, de que Robert Downey Jr. é mais o veículo do que a causa: escorrega feio no melodrama em suas porções finais. Mas não me lembro muito, pois só vi o filme uma vez, no já longínquo anno Domini de 1995. Coisas do século passado, como vêem...

Lembrei também dos libelos contra o corpo e a matéria nos monges de Eco. Creio que Ubertino era o porta-voz dessa corrente ascética-espiritual, estou certo?

Agora, Cid, partamos desses senderos que bifurcam dos labirintos da memória e passemos aos passeios nos bosques da ficção! É seu dever botar a história do Falópio no papel!

(Pronto, lembrei agora do "exercício literário" que o narrador de "Bufo & Spallanzani" aplica aos hóspedes da pousada do Pico do Gavião. Quem não leu esse livro maravilhoso, já está perdendo tempo!)

Um diálogo entre blógues - II

CONTINUANDO À TODO vapor com nosso Interblog Dialogue Initiative Operating Template (I.D.I.O.T.), devo admitir que acho estranha a associação do Marcelo entre "medicina" barroca e assepsia. O conceito, para mim, conjura mais imagens que completam as belas pranchas do De Humani Corporis Fabrica (olha o Vesálio aí, gente!) com bizarrices como o orangotango dissecado, que mestre Gaiman tão bem coloca no seu Brief Lives. Lembra também outra coisa que mencionei ao Cid quando conversamos sobre o Falópio: dentre as minhas mais belas recordações de infância e adolescência estão as várias tardes lendo os volumes da coleção "Descoberta do Mundo", da Editora Itatiaia, de Belo Horizonte (ainda existe?), adquiridos por meu pai. Fazia parte da série de doze livros um fascinante volume, de André Senet, sobre o desenvolvimento histórico da medicina e do conhecimento do corpo humano nas heróicas fases da Antigüidade a Pasteur. O livro se chamava "O Homem descobre seu corpo", que fazia excelente par com "O Homem contra os micróbios" -- este, conto de terror sobre a batalha inglória contra nossos microscópicos co-condôminos do planeta, com escaramuças e grandes confrontos como a Peste Negra do século XIV. Havia lá no livrinho o aterrador panorama da doença sendo importada, dos confins da Ásia, para os centros mercantis da Europa, prenunciando a grande mortandade que assolou o continente.

Daí, aos saltos que dá a memória, lembro do belo filme "Restoration" [EUA/Reino Unido. 1995], com Robert Downey Jr. e Sam Neill, e suas visões da Inglaterra pós-cromwelliana assolada pela peste, com doutores embuçados naqueles bizarros capuzes ornitoformes, onde, creio, colocavam-se esponjas embebidas em vinagre, para matar os mortíferos "esporos" da doença, posto que se acreditava no contágio pelo ar. Por isso, a cena dos nobres envoltos em espessos vapores de incenso, tentando, inutilmente, purificar os eflúvios da pestilência.

Um diálogo entre blógues

O CARÍSSIMO AMIGO Marcelo Cid, no seu blógue, coloca post deveras interessante sobre um argumento sonhado de uma história com o anatomista Falópio (1523-1562), aquele da trompa homônima. À parte os imediatos e também interessantíssimos comentários que se possam tecer (e já devidamente feitos pessoalmente) sobre os topos dos livros sonhados, das bibliotecas de sonhos, dos livros não-escritos, escritura labirintina e borgeana, etc, sobre a incrível potencialidade do argumento como novela, roteiro cinematográfico, et caterva, e sobre as ilações com o excelente Bufo & Spallanzani, do Rubem Fonseca (não vi o filme, mas já digo que o livro está entre meus preferidos, mais um crédito à minha excelentíssima professora de português do colégio, a mestra e mentora Cláudia Lukianchuki, provando que se lia, e bem, nas escolas d’antanho), de tema semelhante, o que quero comentar agora, espero que inaugurando uma forma de diálogo com o amigo e autor, são as curiosas peculiaridades da divisão temporal ("cronomástica"???) adotada por ele naquele post.

Sim, Renascimento e período Barroco. É natural, como ensinam as escolas, que o primeiro seja, de facto e de jure, categoria temporal precisa para definir o tempo histórico – credencial conquistada pelo muito de ruptura, inovação, particularidade e influência que o período trouxe ao gênero humano em todos os campos (história, sociedade, ciência, arte, filosofia, e o que mais se possa pensar). Deixemo-lo, então, de lado, com o Falópio que aí cabe muito bem. Agora, é o segundo que me parece curioso. Sim, porque o termo "barroco" não implica, necessariamente, uma constelação de idéias tão vasta e precisa como o Renascimento. Claro, há que se falar em barroco na música, na pintura, na arquitetura, mas não é próprio falar numa ciência barroca (seria isso um oxímoro?), numa filosofia barroca, numa sociedade barroca e congêneres.

Afinal, no próprio domínio da arte, que lhe é próprio, o Barroco se presta a subdivisões e fases – maneirismo, rococó – que já demonstram (quod erat demonstrandum) que seu poder sobre o tempo histórico é menos fulcral, menos coercivo que o do Renascimento. Daí que se possa referir, ao mesmo recorte cronológico, com maior ou menor ênfase em períodos específicos, com uma pluralidade de termos, o que abarca o Século das Luzes, o Iluminismo, a Idade Moderna, o período de Luís XIV, o Antigo Regime, o Oitocentos, num campo mais filosófico-político, ou precisar aqui e acolá, seus muitos notáveis nas artes e nas ciências: Canova, Bach, Vesálio, Gongora, Watteau e Bernini seriam, então, apenas alguns, numa vasta lista que se presta a nomear os sacolejantes anos dos séculos XVII e XVIII.

Claro que não quero, com isso, panfletar contra a escolha do grande Marcelo Cid (já me apresso a explicar, antes que seja mal interpretado por leitor menos hábil), acertada como todas as outras, mas apenas discorrer sobre as variadas facetas desse período que acho um dos mais fascinantes da história ocidental. Claro também que isso abre portas para (espero que logo mais) tratar de uma das mais interessantes personalidades e obras do período: Giacomo Girolamo Casanova, o veneziano, cuja obra (sua vida) é dos relatos mais ricos, coloridos, interessantes, variados e incríveis de que se tem notícia.

Está começado o diálogo, eia pois. Que continue!