sexta-feira, maio 26, 2006

Efeméride

E O "LABIRINTO DAS Letras" chegou a seu primeiro aniversário. Não logrou -- for better or worse -- o "nenhum dia sem linha", mas segue caminhando, como quem não quer nada, figurativa ou literalmente falando.

terça-feira, maio 09, 2006

Interlúdio

PASSEANDO HOJE PELOS arquivos do blog do genialíssimo Neil Gaiman, esbarrei nesta entrada lapidar:

i suspect that Venice is full of ghosts. Not of Venetians, but of all the
visitors who came, and fell in love with the place, and promised themselves
they'd be back, dead or alive.
-- Neil Gaiman, Arquivos do "American Gods Journal", 21 de setembro de 2001.


Pois é. Esse é o homem. Um dos maiores escritores da atualidade, no less.

De quebra, ainda encontramos, no mesmo texto, a origem do episódio do camelô desmascarado no episódio da Morte ("Death and Venice"), em "Endless Nights".

quinta-feira, maio 04, 2006

Schadenfreude

SEI QUE CORRO o risco de parecer monomaníaco, chato ou simplesmente "sem assunto", mas como meu público leitor se resume a dois ou três amigos próximos (aha!, nisso posso me vangloriar do meu elitismo, pois possuo um público mais seleto e rarefeito do que os "quatro ou cinco medievalistas e talvez um ou dois cardeais" que Eco imaginava como o público ideal que acolheria seu "O Nome da Rosa"!!!), posso ainda discorrer sobre mais um assuntozinho relacionado ao tema dos posts precedentes:

Leio, no site do Guardian Unlimited, interessante artigo intitulado "Sadness and Glee at Harvard Writer's Fall" (ver aqui), em que uma colega de escola da autora de nome complicado lamenta (reluto a pensar que com esnobismo, para não cair em preconceitos ou chavões de escritura) o espírito de Schadenfreude do mundo, consubstanciado no deleite que alguns colegas de universidade sentiram ao saber da denúncia de plágio.

Schadenfreude, como sabemos, é o epíteto high brow do tradicinal ditame "pimenta nos olhos (...) dos outros é refresco". [Digressão: quantas bobagens ditas aqui e acolá não pareceriam profundas e epifânicas se substituídas por longos palavrões de aglutinante germanismo! A seu modo, sou mais partidário desses palavrões do que, na mesma linha, de construtos hifenizados como "estar-no-mundo" ou "ler-o-mundo", que, para mim, soam patéticos. Daí, lembro-me do divertidíssimo post sobre a crítica do Mencken ao obscurantismo dos metafísicos e, pensando que o Francis acharia tudo isso coisa de "pseudo", deixo essa conversa pra lá). Só que, no caso em questão, como a teutônica e psicanalítica expressão vem mascarar uma invertebrada posição de isenção e "justiça" que nada mais é do que dourar a pílula da realidade (não mais azul ou vermelha, mas doirada, gilt, e ilusória como placebo de farinha de trigo), vejo nela a cara do inimigo (a ser demascarado, dentre outros assuntos, nos futuros posts, aqueles que mencionei ao final do artigo abaixo): namely, a correção política spineless, inócua, inodora e insípida!

Como não se cansa de repetir o Reinaldo Azevedo, que leio com avidez e fraternidade d'alma, o mal do mundo é que o ser humano virou criança mimada, que a muleta da psicanálise (enquanto máscara socialmente aceitável do egoísmo mais odioso e chão, como quer Houellebecq -- aliás também assunto de futuro post, já no forno) vem pegar pela mão e eximir da responsabilidade do "ser-adulto-no-mundo" (risos). Papini já prenunciava no "Gog" (louvado seja esse livro, mil vezes!), lá na primeira metade do século XX: puericracia! Dentre outras coisas, puericracia dá nisso. Cada vez mais nos parecemos com os elói da "Máquina do Tempo": jovens, belos e bobos, até que, das trevas do subterrâneo, subam morlocks para nos devorar!

Anotai estas palavras: do pantâno da novilíngua politicamente correta nascerá a nêmesis da civilização ocidental!

Sobre livros, salsichas e o fim de todas as utopias

PASSA O TEMPO E o caso do livrinho de Ms. Kaavya Viswanathan só fica mais e mais interessante! A nova peça do puzzle agora é a participação, no affair "Opal Mehta", de uma empresa atuante no segmento de "book packaging" chamada Alloy Enterteinment.

O gentil leitor, como a gigantesca maioria da humanidade, creio, ainda nutre a idéia de que livros -- e, em especial, romances e demais formatos do que se chama "Literatura", com capital L -- nascem do talento e dedicação do que chamamos "autores"? Pensa, talvez, que esses autores são seres dotados de singular conhecimento, vivência, sensibilidade, quiçá genialidade ou originalidade? Que, na maioria das vezes, o ato da escrita é uma experiência solitária, cujos protagonistas são o tal do autor, suas emoções, medos, esperanças e uma folha de papel em branco? Papel esse que deve ser preenchido com engenho e arte, com sangue, suor e lágrimas (ou com outro fluido qualquer que denote o ato criativo, ou destrutivo, do Ser Humano)?

Tsc, tsc, caro leitor -- think again!

Essa romântica imagem do escritor, febril na sua torre de marfim (onde o beneditino lavra, longe do turbilhão estéril da rua) pode até ter existido nalgum mítico rincão pré-Revolução Industrial, ou em torno de algum excêntrico masoquista do estranho e distante século XX. Pode até ter sido a realidade dos monges copistas de Eco; dos decadentes nobres chegados a um kiss and tell, de Laclos; ou, ainda, dos delírios etílicos de um Bukowski ou de desajustados como Miller, Hemingway, Faulkner, Parker, Waugh, Sagan ou Fonseca... Hoje, essa imagem parece conjurar uma constelação de artefatos tão anacrônicos como o fiacre, um conjunto cartola-monóculo-fraque-plastrão-e-polainas, ou loção pós-barba "Old Spice"! Sim, porque tudo isso foi substituído pela eficiência empresarial dos book packagers!

Então, caro leitor, tome essa pílula azul (ou seria a vermelha?, os detalhes agora me fogem...) e seja bem-vindo ao deserto do real! Saiba, então que, em algum momento, em fins do século XX, houve uma revolta das máquinas. As máquinas, então conhecidas como "businesspeople" perceberam que era contraproducente deixar o lucrativo negócio da Literatura nas mãos de gente ineficaz, preguiçosa, tomada por paroxismos de sensibilidade ou catalepsias movidas a ruminações intelectualóides -- então, tomaram o lugar dessa escória humana, os escritores, e começaram a produzir best sellers em ritmo industrial, com rapidez, eficiência. Just in time. On demand. In a New York minute. Porém, para não despertar o apático resto do gênero humano, aqueles que manteriam escravizados num construto de entretenimento artificial, modulado e controlado, as máquinas bolaram um simulacro daquela realidade pré-Matrix, para que a boa gente crédula não percebesse que, por trás da fachada daquela realidade virtual, o novo negócio da literatura produzia obras como antes se enchiam salsichas: mecanicamente, com restos e subprodutos reciclados e encapsulados num pacote mais ou menos deglutível. Esse maquiavélico artifício das máquinas consistia em apresentar um símile de autor, um nome, "real" ou imaginário, que transmitisse a falsa impressão de que aquele produto comercial, o livro, fora produzido não por um batalhão de executivos e redatores profissionais, mas por um bom e velho autor.

De forma mais prosaica, o negócio é o seguinte: empresas como a Alloy produzem em série, por meio de grupos de trabalho, enredos e sinopses que são, então, entregues a editores especializados ou -- vá lá! -- a jovens escritores que os transformarão em livros como os conhecemos. No segundo caso, como foi o da jovem Kaavya Viswanathan, os rendimentos (advances e percentuais de vendas) são partilhados entre o "autor" e o book packager, assim como acontece com o copyright da obra. No primeiro caso, o livro é publicado com um nome qualquer, que na verdade camufla e sintetiza o batalhão de profissionais que está por trás dele (mais ou menos como aquela história de que, em Hollywood, filmes que são renegados por seus diretores acabam saindo como sendo dirigidos por um tal Alan Smithee, cineasta de ampla e variada, conquanto modorrenta, obra).

Assim, o affair "Opal Mehta" apenas logrou expôr a ponta de um iceberg que já está aí há décadas. Apenas deu um vislumbre da Matriz, do vasto campo mecanizado de manipulação e processamento da criatividade literária.

As decorrências disso são muitas, profundas e adequadas a divagações filosóficas que acompanharão, em breve, uma série de artigos que pretendo postar aqui sobre o ethos (ou pathos) cultural-social desse doudo mundo contemporâneo. Venho matutando sobre diversos signos e signos dentro de signos que pretendo explorar, com mais tempo, e lançar a vós, parcos leitores!