quinta-feira, maio 04, 2006

Schadenfreude

SEI QUE CORRO o risco de parecer monomaníaco, chato ou simplesmente "sem assunto", mas como meu público leitor se resume a dois ou três amigos próximos (aha!, nisso posso me vangloriar do meu elitismo, pois possuo um público mais seleto e rarefeito do que os "quatro ou cinco medievalistas e talvez um ou dois cardeais" que Eco imaginava como o público ideal que acolheria seu "O Nome da Rosa"!!!), posso ainda discorrer sobre mais um assuntozinho relacionado ao tema dos posts precedentes:

Leio, no site do Guardian Unlimited, interessante artigo intitulado "Sadness and Glee at Harvard Writer's Fall" (ver aqui), em que uma colega de escola da autora de nome complicado lamenta (reluto a pensar que com esnobismo, para não cair em preconceitos ou chavões de escritura) o espírito de Schadenfreude do mundo, consubstanciado no deleite que alguns colegas de universidade sentiram ao saber da denúncia de plágio.

Schadenfreude, como sabemos, é o epíteto high brow do tradicinal ditame "pimenta nos olhos (...) dos outros é refresco". [Digressão: quantas bobagens ditas aqui e acolá não pareceriam profundas e epifânicas se substituídas por longos palavrões de aglutinante germanismo! A seu modo, sou mais partidário desses palavrões do que, na mesma linha, de construtos hifenizados como "estar-no-mundo" ou "ler-o-mundo", que, para mim, soam patéticos. Daí, lembro-me do divertidíssimo post sobre a crítica do Mencken ao obscurantismo dos metafísicos e, pensando que o Francis acharia tudo isso coisa de "pseudo", deixo essa conversa pra lá). Só que, no caso em questão, como a teutônica e psicanalítica expressão vem mascarar uma invertebrada posição de isenção e "justiça" que nada mais é do que dourar a pílula da realidade (não mais azul ou vermelha, mas doirada, gilt, e ilusória como placebo de farinha de trigo), vejo nela a cara do inimigo (a ser demascarado, dentre outros assuntos, nos futuros posts, aqueles que mencionei ao final do artigo abaixo): namely, a correção política spineless, inócua, inodora e insípida!

Como não se cansa de repetir o Reinaldo Azevedo, que leio com avidez e fraternidade d'alma, o mal do mundo é que o ser humano virou criança mimada, que a muleta da psicanálise (enquanto máscara socialmente aceitável do egoísmo mais odioso e chão, como quer Houellebecq -- aliás também assunto de futuro post, já no forno) vem pegar pela mão e eximir da responsabilidade do "ser-adulto-no-mundo" (risos). Papini já prenunciava no "Gog" (louvado seja esse livro, mil vezes!), lá na primeira metade do século XX: puericracia! Dentre outras coisas, puericracia dá nisso. Cada vez mais nos parecemos com os elói da "Máquina do Tempo": jovens, belos e bobos, até que, das trevas do subterrâneo, subam morlocks para nos devorar!

Anotai estas palavras: do pantâno da novilíngua politicamente correta nascerá a nêmesis da civilização ocidental!

4 comentários:

Anônimo disse...

você está tratando de assunto interessante e relevante. Tô com sono agora, mas prometo comentar de forma mais substantiva em breve.

Ah, o Reinaldo Azevedo é um imbecil.

Emerson Novais Lopes disse...

Falou um dos "dois cardeais"! Obrigado por acreditar na relevância do tema. Aguardo os comentários!

Quanto ao Reinaldo, pode até ser. Mas, creio, ele é praticamente o último representante de uma tradição de polemistas que faz falta nessa pasteurização "objetiva/isenta" que monopoliza o jornalismo contemporâneo em nosso País. E, como VOCÊ sabe, nosso discurso se afina nalguns pontos...

Anônimo disse...

Te'sconjuro! Pé-de-pato-mangalô treisveis!

Anônimo disse...

Como prometido, comento o tema:

É bem verdade que há uma "indústria literária" em ação. Uso as aspas porque a indústria, de verdade, deveria ser apenas a de impressão, e não editorial e, principalmente, que chamar isso de literatura é forçar um pouco a barra. Nem perco meu tempo tentando justificar o injustificável, raras vezes me aventuro a passar os olhos pela seção "mais vendidos" em livrarias, consciente da onipresença de bobagens de todos os gêneros.

Mesmo obras plenas de originalidades, e até alguma utilidade, que param nesta estante, parecem carregar algum tipo de vício. Vejam o caso do utilíssimo Harry Potter, uma espécie de panacéia para fazer crianças eletronizadas lerem. Conhecedores do submundo dirão: o cenário e a história são originais e criativas. Mas o personagem é um escandaloso plágio de adolescente mais interessante que Harry, criado por Neil Gaiman.

Para não falar da nefasta indústria caça-níqueis da auto-ajuda, aí incluído o pseudo autor Paulo Coelho (o único a selecionar citações de si próprio para publicações!!)ainda que disfarçada em livros de técnicas de gerenciamento e quimeras do tipo "antropomarketing".

Para afinar nosso discurso mais uma vez, meu querido, o mundo era melhor quando ainda havia a União Soviética e uma esquerda séria, nem que fosse para forçar o capitalista a pensar e escrever direito para manter o seu modo de vida predatório em busca de mais dinheiro. Agora eles podem esquecer a necessidade intelectual e apenas encher as burras do vil metal.

Neste aspecto, terei que concordar com você, o Reinaldo Azevedo é, sim, um imbecil, menos que o Jabor, é verdade, mas é necessário haver polemistas e gente séria na direita. In Medius Est Virtus (o Cid há de corrigir meu latim)e o meio só existe quando há extremos em debate.

ah, concluindo: minha esperança reside na quantidade cada vez maior de autores que se publicam eletronicamente, fugindo do controle mercadológ... digo, editorial. É como o MP3 salvará a independência da música, a internete (e os blogues, especialmente) salvarão a liberdade intelectual criativa.