EM "MADAME BOVARY", Flaubert escreveu:
A fala humana é como uma chaleira rachada, na qual batucamos ritmos toscos para os ursos dançarem, enquanto ansiamos por fazer uma música que derreta as estrelas.
Sei que não é nisso exatamente que o celebrado escritor estava pensando, mas sempre que penso nessa frase, lembro-me que tal música já existe. Trata-se, naturalmente, do Kyrie da Missa de Réquiem, aquele canto do cisne do Gênio de Salzburgo.
O indescritível poder da tessitura vocal dessa peça é algo completamente sobrenatural. Eu, que só pude ouvir gravações, não consigo deixar de imaginar a impressão causada por sua execução, sei lá, numa catedral, com a reverberação certa. Não seria preciso muito esforço para sentir o edifício romper sua materialidade de pedra e deixar os próprios alicerces, alçando os espaços infinitos cujo silêncio assombrava Pascal. O Kyrie do Réquiem de Mozart é mais assombroso que o Universo mesmo.
[Com pequeno atraso, fica aqui essa postagem para a efeméride mozartiana de 2006].
Um comentário:
Caro Emerson,
Apesar de as palavras deixarem muito a desejar em comparação à música, você chegou perto... Recomendo o recém-lançado DVD reunindo o Requiem e a fantástica Missa 427, com o Monteverdi Choir e o John Eliot Gardiner, gravado no Palau de la Musica Catalana, que é um prédio extraordinário, em todos os sentidos da palavra.
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