UMA DAS GRANDES satisfações da vida é, sem dúvida, ler Umberto Eco. Recentemente, como já escrevi no post do ano findo, comecei a releitura dos absurdamente geniais romances do Grande Semiólogo, o que me trouxe, há pouco, à Ilha do Dia Anterior (L'Isola del Giorno Prima). Ah, que coisa ímpar é esse livro! É deveras fascinante ver como a prosa de Eco se desenrola numa multiplicidade de planos, e como todos eles ilustram e cativam o leitor. Não meramente o enredo é arrebatador, passado em três tempos distintos (o do narrador aparentemente coevo; o do protagonista, digamos, "presente", preso numa nau abandonada; e o do bildungsroman do dito protagonista, o fidalgo Roberto de la Grieve), mas há também uma multiplicidade de topos narrativos absolutamente ricos: como bem coloca o tradutor, a narrativa de de la Grieve é "escrita em barroco"! E tomo lá cultismos, jogos de oposição, luz e sombra, conceptismos e toda a orgia da escritura do século XVII. Isso quando não nos deparamos com o vernáculo e ortografia "quinhentistas" do clérigo astrônomo!
A pergunta que nunca cala, ao ler Eco, só pode ser: "como é que ele consegue????"
2 comentários:
Amo esse romance, meu segundo favorito de Eco (o primeiro e o Pendulo). Eu o chamaria de literatura de imersao - no caso, na cultura (va la) barroca, seja a erudita, seja a popular. E tem um sentimento terno ao longo de toda a historia, nao e? Cid.
E eu, que sempre tive O Nome da Rosa no mais incontestável pódio, acho que estou pendendo para a Ilha como melhor romance de Eco. Aliás, Cid, achei uma alusão deveras interessante: lembra-se que nos capítulos centrais do livro, já próximo à descrição do naufrágio do Amarillis, Roberto narra a presença, entre os passageiros, de um cavaleiro de Malta que busca a mítica ilha denominada "a Escondida"? Pois bem, trata-se de uma homenagem do Eco ao personagem Corto Maltese (aquele de que vivo lhe falando, dos quadrinhos do Pratt)! Veja bem: Cavaleiro maltês = Corto Maltese; Escondida é a ilha onde se passa a primeira das aventuras do marinheiro de Pratt, uma ilhota perdida no Pacífico onde "reina" o misterioso Monge, líder de um bando de piratas (Roberto ressalta que o tal cavaleiro tinha a aparência de um filibusteiro); finalmente, o cavaleiro maltês por vezes suspira e pensa em abandonar a civilização e viver seus últimos dias numa das ilhas ou, talvez, na costa do "Chily", o que ecoa uma das idéias esboçadas por Pratt, de que Corto Maltese terminou seus dias num vilarejo da costa chilena, sempre perscrutando o mar com olhar amargurado... Bem, como sabemos a partir do "Entre a Mentira e a Ironia" e outros textos, Eco é um dos grandes entusiastas das histórias do marinheiro do Pratt, e achou um jeito de introduzi-lo, de modo pós-moderno, na Ilha.
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