DESDE O ÚLTIMO DOMINGO, por felizes razões profissionais, estou aqui em Budapeste, capital da Hungria, região que integrava a antiga Panônia dos romanos. Por enquanto, as exigências do trabalho impediram que me aventurasse na região central, mais antiga e interessante da cidade, mas prometo que, neste fim-de-semana, volto de lá com fotos. Até então, meu roteiro se resumiu a uma caminhadinha de quinze minutos entre meu hotel e a Embaixada do Brasil.
Para rechear o post, porém, vou iluminando quem se interessar com dados desse país interessantíssimo que é a pequena e brava Hungria. No coração da Europa Central, cercados de povos eslavos, os húngaros são grupo à parte, descendente dos magiares que aqui se estabeleceram por volta do ano 896 d.C., liderados pelo chefe tribal Árpád, fundador de dinastia que persistiu até 1301. Não são, portanto, eslavos, mas "fino-úgricos". Os fino-úgricos, conforme atestam pesquisas bio-históricas e lingüísticas, originaram-se para lá dos Montes Urais, na Ásia Central, por volta do segundo milênio antes de Cristo. Entre 1000 e 500 a.C., os magiares se separaram da família, que já havia individualizado o povo que, mais tarde, daria origem ao idioma finlandês, e passaram a tratar das próprias migrações. Assim, sucessivamente, vieram para o lado de "cá" dos Urais (de V a.C. a IV d.C.), para o Cáucaso e a margem norte do Mar Negro (de 600 a 750 de nossa Era), para o leste dos Cárpatos e, finalmente, para a vasta planície (a puszta húngara) no século IX. Nesse ponto, levavam uma vida de pilhagens e ataques, como seus parentes hunos, ameaçando regiões do Império Romano-Germânico, da França e até mesmo dos Pirineus! Tal era sua fama como agentes de destruição que uma famosa oração, datada do final do período das grandes migrações (X a XI d.C.) suplicava: "Senhor, livrai-nos das espadas dos vikings e das flechas dos húngaros".
Essa ascendência fino-úgrica faz do húngaro um idioma singularíssimo, difícil e único. A longa separação dos ramos da família fez com que o húngaro e o finlandês se desenvolvessem individualmente, o que torna uma língua incompreensível para o falante de outra. Chico Buarque, no seu "Budapeste", cita que o húngaro é "a única língua que o diabo respeita". Para os exasperados falantes de línguas indo-européias, o húngaro não dá trégua, com seus palavrões como "egészségére!" (saúde!, como no brinde), "köszönöm szépen" (obrigado) e "illatszerbolt"(farmácia).
Gradativamente, porém, os belicosos húngaros se assentaram em nação mais condizente com o estado de seus vizinhos e, assim, no Natal do ano 1000, foi coroado seu primeiro rei cristão, o futuro Santo Estêvão (István I), que cristianizou toda a população e deu início à obra de expansão do império magiar. Os húngaros resistiram às tentativas de incorporação pelo Sacro Império Romano-Germânico e pelo Império Bizantino, tendo eles próprios, em contrapartida, conquistado os territórios das atuais Croácia, Sérvia, Bósnia e Bulgária, além de dominar, originalmente, o que seria mais tarde o território da Romênia.
A expansão dos turcos otomanos, porém, representou séria ameaça aos magiares; primeiro, ameaçando seus interesses na península balcânica (Sérvia e Bulgária), depois, no próprio território húngaro. Em 1541, os turcos efetivamente conquistaram a parte central da Hungria, chegando mesmo a invadir Buda, sede do reino. A Hungria independente ficou reduzida a uma porção norte-ocidental, protegida pela Áustria (com a morte do rei Luís II na Batalha de Mohács, travada contra os turcos em 1526, a nobreza húngara cedeu o poder a Ferdinando I da Áustria, da Casa dos Habsburgos), enquanto que o centro se tornava parte do Império Otomano e o leste, disputado por turcos e húngaros, formava o reino da Transilvânia.
Forças austríacas expulsaram os otomanos em 1689, dando início a um processo de gradual fusão entre a Áustria e a Hungria. A despeito da revolta conduzida pelos nobres, liderados por Ferenc Ráckózi (1703-17011), com o intuito de conferir maior autonomia política à Hungria, o processo seguiu inexorável, culminando no juramento de fidelidade dos nobres húngaros à imperatriz Maria Teresa, dos Habsburgos, em 1741. Nova revolução nacionalista eclode em 1848 (inflamada pelo poeta Sándor Petöfi) e, para não perder a irridenta Hungria, a Áustria aceita a conformação de um "Compromisso", que efetivamente cria a monarquia dual e o Império Austro-Húngaro, em 1867. Em seu auge, o Império foi dirigido por Francisco José e Elizabeth, a Sissi imortalizada nos filmes da Romy Schneider, que agradam senhorinhas românticas de idade mais avançada.
Como se sabe, o Império Austro-Húngaro implodiu nos fogos da Primeira Guerra Mundial, iniciada com o assassinato do Príncipe Herdeiro Francisco Ferdinado pelo anarquista Gavrilo Princip, da "Mão Negra", na fatídica Sarajevo. Ao fim da Guerra, o Império derrotado foi desmembrado pelo Tratado de Trianon (1920), pelo qual a Hungria perdeu dois terços do antigo território e mais da metade de sua população. Seguiu-se um período de conturbação política, com uma breve experiência comunista, liderada por Béla Kun, até a estabilização com o governo do Almirante Miklós Hórthy -- almirante de um país sem marinha e sem mar e regente de um reino sem rei (!!!). Hórthy permaneceu no poder até 1944, período em que a Hungria se aproximou da Alemanha nazista, na esperança de reaver os territórios perdidos em 1920. Ocorre aí período trágico na história do país, com a ascensão de grupos fascistas e a deportação e extermínio de cerca de 500 mil judeus húngaros.
Novamente derrotada na Segunda Guerra Mundial, a Hungria cai na órbita da União Soviética e sua Cortina de Ferro. Contudo, o país explode na revolução de 1956, liderada por estudantes, intelectuais e operários. Esmagada por tanques soviéticos, a experiência revolucionária lança ao exterior nova corrente de imigrantes húngaros. O líder do movimento revolucionário, o ex-premiê Imre Nágy foi fuzilado por tropas soviéticas em 1958, após julgamento secreto e arbitrário. Posteriormente, Nágy, tornado herói dos húngaros, mereceu discurso de desculpas do Presidente russo Bóris Iéltsin.
Segue-se um período bastante curioso, sob o governo de János Kádár, conhecido como "comunismo goulash", em que a Hungria torna-se o mais "ocidentalizado" país do Leste comunista. A partir de 1972, o país permite a entrada de investimentos estrangeiros e a propriedade privada é admitida em certo grau. Com o fim do comunismo, em 1989, a Hungria volta-se com todo ânimo para a integração nas estruturas ocidentais, tornando-se parte da OTAN, em 1999, e da União Européia, em 2004.
Essa é, em linhas bem gerais, a história da Hungria. Volto mais tarde, portanto, com imagens e observações sobre o atual estado do país.
Um comentário:
Et in Panonia ego...
muito bem, sempre bom aprender! Esperando as fotos.
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