O QUE LEIO no momento:
Ministério do Silêncio: A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (1927-2005) [Lucas Figueiredo, Record, 2005. 591p.]. O novo livro-reportagem do autor de Morcegos Negros traz um minucioso e por vezes apavorante relato da criação e das ações do serviço secreto brasileiro, com ênfase nos bastidores da gênese do SNI (Serviço Nacional de Informações) e na montagem do aparato repressivo lançado contra o "inimigo interno" pela ditadura militar, embora ainda cubra o interessante período da redemocratização com investigações sobre o até então insuspeito papel dos serviços de informação na Nova República. Interessante documento de um período recentíssimo da história brasileira, com chagas ainda abertas e casos (ainda) mal-contados. A linguagem do autor chega a espantar por seu coloquialismo, por vezes desnecessário, e, com freqüência, ele carrega nas tintas do maniqueísmo ao defender a modéstia e altruísmo das ações dos movimentos de esquerda diante da truculência e paranóia dos militares. Tais defeitos, porém, não deslustram o impacto da obra, outro importante acréscimo à historiografia do Brasil recente.
The Decline and Fall of the Roman Empire [Edward Gibbon, Britannica Great Books, 22ed., 1978, 2v. 910 e 855p., respectivamente]. Afinal, travo contato com esse monumento da historiografia e da evolução da língua e literatura inglesas. O gigantesco trabalho de compilação de dados e sistematização conduzido por Gibbon no século XVIII ainda não encontrou quem lhe disputasse a glória de texto definitivo sobre os quase quinze séculos que vão da ascensão de Augusto à queda de Constantinopla, embora sua gênese pré-materialista lhe tenha garantido as atuais ressalvas contra as conclusões moralistas do autor. De qualquer maneira, Decline and Fall é um Olimpo de erudição e linguagem raras vezes alcançado. Paro aqui, pois ser encomiástico com Gibbon é chover no molhado.
Ghost in the Shell 2: Man-Machine Interface [Shirow Masamune, Dark Horse Manga, 2005 (versão encadernada). 312p.]. A aguardada seqüência do seminal mangá de Shirow Masamune chega com feéricos efeitos gráficos, bastante adequados à saga tecnológica que se desenrola em março de 2032. Fanáticos pela obra anterior e pelo filme homônimo de Mamoru Oshii certamente irão lamentar a ausência de personagens importantes do primeiro volume (Togusa) e o pequeno papel reservado a outros (Batou, chefe Aramaki), embora ainda permaneça lá toda a mística de things to come. De minha parte, a ressalva fica pelo tom excessivamente aventuresco e "tecnofílico". Os diálogos são uma verdadeira cortina de fumaça, composta pelo simulacro de jargão tecnothriller, longe da profundidade filosófica dos dois filmes Ghost in the Shell. De qualquer modo, valem as belas imagens "cinéticas" para acompanhar o ritmo frenético das investigações da ciborgue Motoko Aramaki (a major Motoko Kusanagi, do volume um, após sua fusão com a inteligência artificial Projeto 2501 e, agora, fragmentada numa existência extra-corpórea na rede de comunicações do século XXI). O ponto mais interessante é a idéia de que Motoko -- uma inteligência híbrida, resultante de uma fusão de seres reais e artificiais -- pode "saltar" pelos continentes em múltiplos corpos cibernéticos, meras "cascas" para o espírito (?) tecnológico da agente, ferramentas de trabalho como os veículos e safehouses que ela possui pelo mundo a fora. Não se deixe enganar pela superficialidade dos exageros mamários de Shirow ou pelo blá-blá-blá cibernético. Ghost in the Shell 2 - Man-Machine Interface, com sua pictórica representação do que será "humano" no futuro próximo, tem mais conteúdo do que a leitura transversal pode revelar.