terça-feira, abril 22, 2008

Um erudito debate

RESPONDENDO AO RENATO, recordo que o cânone menciona que os escribas sediciosos da Cesaréia eram "muitos", sem precisar seu exato número, o que só se verificou no terceiro dos livros da tradição apócrifa. Aferra-se tal princípio, seguramente, à ancestral proposição da Queronéia, qual seja, a de apôr-lhes o número de "setecentos", naquilo que Cornélio Mazagão (Lisboa, 1764) e Rutilus Volframius (Leipzig, 1812) entenderam como uma magnificação das hostes do demoníaco Belial. Com efeito, Borges narra que esse cabalístico número foi repetidamente endossado por Hladik e Beir ibn Al-Moutasin, este citando, expressamente, uma bestial horda de setecentos cães "cor de luar" (a cohort of seven hundred mooncoloured hounds).

N. do A.: Mais tarde, compulsando as doutas notícias do Liber Paginarum Fulvarum, do século onze (cuja autoria foi atribuída, por Pico de la Mirandola, a Teofrásio de Alexandreta), encontrei a menção aos "setecentos mercadores do pecado, vis e maculados, que a posteridade honrou, ó iniqüidade!, na figura dos escribas de Cesaréia, amaldiçoados sejam sempre pelo Altíssimo!")

segunda-feira, abril 14, 2008

Historia Universalis

AINDA NOS ALBORES do III século, os comentadores de Platão, aí inclusos aqueles iconoclastas que a posteridade celebrizou como os setecentos escribas sediciosos da Cesaréia, eternamente maculados pela proposição herética do maniqueísmo cireneu, procederam à reescritura sistemática dos três primeiros livros doutrinários do colubrinismo. Tempos depois, Horácio (Ars Poetica, 139), Terêncio e outros jurisconsultos do Império registraram sua veemente oposição àquela vaidade do século, lavrando o epigramático dito “parturiunt montes; nascetur ridiculus mus”, que tanto figurou na prosa gálato-beócia.

Contudo, qual perniciosa seiva que, mesmo cortada a rama, torna a florescer alhures, quiçá com maior vigor, a doutrina em questão foi ressurgente ao longo dos cinco primeiros séculos da Era Vulgar, encontrando-se seus plurifacetados vestígios nalgumas linhas de Plauto, Miquéias, Jeroboão de Alexandria, Blondel de Nesle e mesmo em certos cânones patrísticos. Com efeito, Ramsey traduz, já em 1768, opúsculo de Veridiano, o Moço, onde se lê:

He, with the pen hesitantly poised
Over the fine-grain’d paper,
Once ascribed the ominous lines
To the progeny of old Aeneas,
In the long shores of Lycaonia.

Those who adored the vile idols,
Cast in debased bronze and stone
Hath left to his heirs, the doubtful
Inheritance of a forgotten lore…

Não obstante essa malfadada linhagem, H. Meyer (1847) refutou a tradição cesaréica, atribuindo à escola dos Pernósticos (circa 475 a.C.) papel de relevo na transposição de certos dogmas que ainda hoje se encontram entre os mendácios e os neo-cismáticos da Queronéia.